sina

Stephanie Borges
3 min readJan 11, 2021
Delfos

I. a esfinge

compreender o enigma
quatro duas três patas
lhe abriu o caminho
mas ter a resposta
não é saber

um homem que desconhece
suas origens poderia
traçar seu futuro?

desafiar a previsão
ou confirmar apenas
a força de seus deuses

um homem triunfa
diante do monstro,
um estranho à sua frente

para cumprir um papel
ser joguete e se consolar
repetindo: é o destino

II. a mãe

era só uma criança
como saberia?

seu pai só podia
estar errado
mas como se diz isso ao rei?

o senhor que se impôs
pela guerra vê na morte
solução

mas era só um menino
que se ensinado a amar
respeitaria seu pai

reconheceria em si
os traços herdados
antes de ser um desafio

é do jovem romper
com o passado, acreditar-se
diferente

e eu, entregue
como as terras, o trono,
a coroa: uma herança

sem filho nem marido
entre tanta morte
achei enfim um recomeço

mas o medo e a mentira
talvez mais que deuses
tramem a tragédia

III. o oráculo

os humanos querem
saber o que vemos
sem entender

são muitos os sentidos
e possibilidades que
compõem a trama

escolhem palavras, se apegam
e repetem — eu sou
— é o meu destino.

outros querem
a chance de mudar
o rumo inevitável

mas todo filho precisa
perder o pai
dentro de si para ser

e sua mãe poderia ser
a terra e não só um espólio
de mentiras

os humanos se fazem
de humildes, mas pensam
em como desviar

a rota revelada,
mas tomam palavra por
palavra ao pé da letra

como se os deuses
não brincassem
com toda criatura

os humanos se levam
muito a sério, imaginam
o destino uma mão única

em que um atalho
pode lhes tirar
o problema de vista

veja só esse rei, agora cego
envergonhado pelo que não evitou
nem poderia

cego o filho homem
que por não conhecer bem
os muitos sentidos, escutou
e não ouviu

IV. a estrada

é complexo
um rei orgulhoso,
um jovem em busca,
ninguém cede.

negociação, cortesia?
a urgência não permite
que se olhe
para os dois lados

o próprio rosto na cara
do suposto algoz
cara de um, focinho
do outro, mas perceba,

os caminhos são do senhor da faca
e de seu irmão que come primeiro
e se ninguém pediu licença
seja príncipe ou rei

sem esquiva, nem visão
de novos rumos possíveis
o senhor da estrada, tem água
mas se banha com sangue,

o dono da encruzilhada pisa
numa pedra e a faz sangrar
então, pai e filho num impasse
derramaram sem pensar

enfim morto, viva o rei e talvez
surgiu aí a ideia de a encruzilhada
ser um perigo,
pois é a clássica tragédia

e ainda hoje os humanos
repetem: casamentos
o pai, a mãe, um menino
a quem pensam enganar?

insistem em entregar
à diversão dos deuses
seus destinos

janeiro/2021

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Stephanie Borges

Poeta e tradutora . Autora de 'Talvez precisemos de um nome para isso'. Escrevo sobre livros na newsletter: tinyletter.com/stephieborges