sina
I. a esfinge
compreender o enigma
quatro duas três patas
lhe abriu o caminho
mas ter a resposta
não é saber
um homem que desconhece
suas origens poderia
traçar seu futuro?
desafiar a previsão
ou confirmar apenas
a força de seus deuses
um homem triunfa
diante do monstro,
um estranho à sua frente
para cumprir um papel
ser joguete e se consolar
repetindo: é o destino
II. a mãe
era só uma criança
como saberia?
seu pai só podia
estar errado
mas como se diz isso ao rei?
o senhor que se impôs
pela guerra vê na morte
solução
mas era só um menino
que se ensinado a amar
respeitaria seu pai
reconheceria em si
os traços herdados
antes de ser um desafio
é do jovem romper
com o passado, acreditar-se
diferente
e eu, entregue
como as terras, o trono,
a coroa: uma herança
sem filho nem marido
entre tanta morte
achei enfim um recomeço
mas o medo e a mentira
talvez mais que deuses
tramem a tragédia
III. o oráculo
os humanos querem
saber o que vemos
sem entender
são muitos os sentidos
e possibilidades que
compõem a trama
escolhem palavras, se apegam
e repetem — eu sou
— é o meu destino.
outros querem
a chance de mudar
o rumo inevitável
mas todo filho precisa
perder o pai
dentro de si para ser
e sua mãe poderia ser
a terra e não só um espólio
de mentiras
os humanos se fazem
de humildes, mas pensam
em como desviar
a rota revelada,
mas tomam palavra por
palavra ao pé da letra
como se os deuses
não brincassem
com toda criatura
os humanos se levam
muito a sério, imaginam
o destino uma mão única
em que um atalho
pode lhes tirar
o problema de vista
veja só esse rei, agora cego
envergonhado pelo que não evitou
nem poderia
cego o filho homem
que por não conhecer bem
os muitos sentidos, escutou
e não ouviu
IV. a estrada
é complexo
um rei orgulhoso,
um jovem em busca,
ninguém cede.
negociação, cortesia?
a urgência não permite
que se olhe
para os dois lados
o próprio rosto na cara
do suposto algoz
cara de um, focinho
do outro, mas perceba,
os caminhos são do senhor da faca
e de seu irmão que come primeiro
e se ninguém pediu licença
seja príncipe ou rei
sem esquiva, nem visão
de novos rumos possíveis
o senhor da estrada, tem água
mas se banha com sangue,
o dono da encruzilhada pisa
numa pedra e a faz sangrar
então, pai e filho num impasse
derramaram sem pensar
enfim morto, viva o rei e talvez
surgiu aí a ideia de a encruzilhada
ser um perigo,
pois é a clássica tragédia
e ainda hoje os humanos
repetem: casamentos
o pai, a mãe, um menino
a quem pensam enganar?
insistem em entregar
à diversão dos deuses
seus destinos
janeiro/2021