urgência
preciso escrever um poema para as minhas amigas
que me contam seus sonhos, me encomendam orações
quando as suas não são suficientes, rezam
por mim quando preciso, em fés que não a minha
especulam sobre mapas astrais,
leem e canetam meus textos, comentam
como tem sido a análise, me arrumam amuletos
dizem verdades terríveis que eu sei
mas não consigo dizer em voz alta
minhas amigas que estão noutros lugares
e contam da vida em fusos horários confusos,
amigas que me deram sobrinhos, me apresentaram
a pessoas que amei, cozinhamos umas para as outras,
viajamos, trabalhamos juntas, tomamos porres,
amigas para quem escrevi cartas, dividimos a comida,
a cama e silêncios imensos, estivemos felizes e sabíamos,
amigas que me mandam postais, cartões de natal, fotografias
minhas amigas
me perguntam como estou
sabendo que estou na merda
que vai passar [já nos vimos
passando por quase isso antes]
perguntam se tenho chorado e dizem
“é bom chorar”
amigas que não me dizem nada, porque sabem
não há nada que se possa dizer, só estar ali
e tudo bem, me distraem da gravidade
me fazem rir, entendem que nessas horas
o direito à bobeira é fundamental
trocamos livros que nos atingiram
- não necessariamente os nossos preferidos -
minhas amigas que vão estar por aí
quando tudo terminar, e depois
então um dia dançaremos
como dançamos antes
e como se a vida ainda fosse outra
e ainda fôssemos ingênuas
Stephanie Borges, jan/2020